domingo, 12 de outubro de 2008

Marcha Derradeira




Eu chorei
por muito tempo.
Ninguém chora tanto.
Chorei a ponto
de perder a autoestima.
Chorei de desespero,
desgosto.
Os que me viram, disseram:
- Covarde!
Preferi chorar de ódio
para não matá-los.
Tantas lágrimas que me têm esvaído.

Quanto mais o tempo passa
eu que já havia desistido
inflamo cada vez mais em desejo de lutar.

Que venham os algozes.
Me encontrarão pronto pra luta.
Que usem suas metralhadoras.
Provarão o gosto da lança de Ubirajara.
Lancem suas granadas,
minhas catapultas destruirão o seu exército.
E, se usarem mísseis,
minha palavra os fulminará.

A Montanha


Dura jornada
longa subida
rolam as pedras
nenhuma ainda sobre mim.
Felizmente.
Dos que empreenderam esta jornada
poucos sobraram.
Destes, muitos desistiram.
E, o que era pra ser competição,
tornou-se estupidez.
Findou-se em teimosia.
A teimosia de alguns poucos.
Dos poucos que não foram esmagados
quando as pedras rolaram.
Naquele dia a mistura
de sangue suor e catarro
quase nos fez parar...
Corpos incrustados nas pedras,
ou abaixo delas soterrados.
Não havia mais como voltar:
nossas cordas quebraram.
Subir já não é mais uma opção.
No começo era a única saída.
Agora nem importa mais.
Não é mais pela coragem.
Não é mais pelo orgulho.
Não é por absolutamente nada.

(Minha versão para A Montanha de Roberto Carlos)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O Cara

Ninguém o conhecia. Ele estava em todas, mesmo sabendo disso a multidão, quase que de propósito, o ignorava. Talvez por isso ele fosse conhecido simplesmente por "Cara". Ninguém nunca se preocupou em saber seu nome, gostos, medos ou anseios. Isso o deixava um tanto frustrado. Ele não era um ser individualizado. Era parte da massa.
Como a vida não é estanque, com o passar do tempo, a vida começava a provar sua sabedoria: "De onde menos se espera, é que vem a solução"... Não vinha. Mas aparecia o Cara, fazia uma gambiarra e tudo funcionava no final; "Quem espera sempre alcança"... ledo engano, mas o Cara tava lá pra dar uma mão; "Melhor um amigo na praça que dinheiro no bolso"... papo furado, quase sempre no final se o Cara estivesse passando por perto, ele emprestava o do lanche... e nunca era pago depois.
O Cara começou a cansar daquela sacanagem e resolveu passar uns dias em casa lendo revistas e assistindo tv. Não adiantava esperar: o problema ia continuar sem solução pois o Cara não tinha passado por lá; Saltar, usar vara? inútil... a mãozinha que o Cara dava era a coisa certa nas horas incertas; O dinheirinho do lanche que tava faltando converteu-se em pratos a lavar e barrigas a roncar porque o Cara parou de passear.
Em meio a esse pequeno microcaos o Cara tornou-se uma lenda: era o superamigo, o resolvedor de problemas, o caixa forte da galera. Ele mal tomara conhecimento disso. Quando saiu de seu "auto-exílio" foi vítima súbita de um estrelato às avessas. O Cara tinha virado até uma entrada no Dicionário Popular. Todos queria ser o Cara. Mulheres queria que seus homens fossem o Cara. Se alguém conseguia escrever uma linha no próprio blog sem erros de português ou ortografia, sentia-se o Cara. Uma pena que ninguém continuava interessado em saber quem o Cara era...
Até que um dia um Fulano qualquer movido pela inveja decidiu que o reinado do Cara, mesmo que o próprio nem tivesse a noção de que tinha um reinado, teria que terminar, por isso armou uma cilada pro Cara cair.
Certa vez o Cara, passando aqui pelo Norte foi parar numa cidadezinha do interior do Pará. Lá chegando, resolveu encher a cara pois estava de saco cheio dessa história de Cara. Sentou-se no balcão da espelunca e tomou uma cachaças baratas (afinal, chegar de seja onde você esteja pensando que o Cara é até o interior do Pará, consome sobretudo, além dos pulmões devido a irritante fumaça das queimadas, grana). Ao seu lado sentou-um SF*, chamado João Ninguém. Ambos beberam até o coma alcoólico (coisa de fracassado, nessas hopras me pergunto como o Cara podia ser o Cara).
Tão semelhantes que eram, tá ok... inexpressivos, quando o fulano chegou, tirou no u-ni-du-ni-tê, e acabou levando o Ninguém pra um celeiroe forjou umas fotos que lembravam aquele filme B, deixa ver ser me lembro... A Fazenda Anal, Meu Cavalo Minha Tara, O Burrinho Safadinho ou coisa assim...
Resultado disso? As fotos vazaram internet afora, chagaram nas principais listas de e-mail, apareceu até no fórum da Galera do Fundão (ui!). O Último Segundo mostrou as fotos mais brandas sob o título: "A verdadeira cara do Cara".
De um instante para o outro no norte, onde o cara era amplamente adorado como modelo, criou-se uma ogeriza ao nome termo "Cara". Três dias depois, ao acordar, jogado ainda na mesma posição e no mesmo bar o Cara acorda em meio ao furdunço da "caça ao Cara". Sem entender muita coisa sobre o que o povo tava falando, e com uma imensa vontade de vomitar, é interpelado por um moleque: "Tu que é o Cara?". Puto da vida com tudo aquilo, e segurando pra não soltar um jorro de vômito na cara do inconveniente, ele respondeu: "Meu, sou só um mané de ressaca (blurp!), o Cara só pode ser tu!" o moleque horrorizado responde: "Deus que me livre!!!"
Assim o Cara deixou de vez de ser o Cara, João Ninguém gravou mais alguns filmes e fez fortuna no pornô bizarro, e finalmente as pessoas criaram verganha na cara e passaram a cuidar da própria vida.

Moral: Nunca diga a um nortista que le é o "Cara". Você vai estar sendo profundamente indelicado.

*SF: Sem Futuro