terça-feira, 4 de junho de 2013

Delírios de Um Náufrago - A Revolta dos que já foram I

Aquele dia tinha começado estranho para ti, dava pra ver que não estavas normal. Não parecia ser uma coisa qualquer... estava mais pra um presságio, uma intuição. Nem aquela espada depositada ao lado da desconfortável cama de palha em que jazias, nem a armadura tosca que mal te protegeria serviram de aviso... pergunto-me se não passou por tua cabeça que aquele conflito inútil que mal se podia compreender era de fato necessário para ti, afinal no pós-vida, essas coisas nem deviam mais importar. Terá sido o tédio da eternidade? somente tu poderias dizer. Não existe morte depois da morte(?). Nem sabes, afinal, se há vida.
Ao saíres da tenda, logo vi tua desmotivação. A forma como caminhavas até o campo de batalha, indiferente ao aveiro de feridos, a forma como encaravas os opositores denunciava que sangue, teu sangue, haveria de ser derramado. E assim foi. Qual lutador beijando a lona, tombaste após um golpe certeiro, o talho aberto, o sangue vivo, a sede dos moribundos (como se fica outra vez moribundo depois de se fazer a passagem?)... aquele dia o peso de uma vida parecia acabar, até que a dama de frias mãos, pôs tua cabeça em seu colo... como se chamava aquela mulher?... Esperanza ou algo assim.
Ela era uma mulher de belas feições, do tipo que podia trazer um homem de volta à vida. Ela te deu apoio, tentou curar-te as feridas, dispôs-se a tirar das próprias roupas o tecido necessário para fazer-te ataduras - coisa que qualquer homem com sangue nas veias teria de bom grado aceito, menos pela perspectiva de cura do que por um pouco mais daquela visão do paraíso...
Foi quando entendi que havias percebido algo: a outra mulher, maltrapilha e raquítica, envelhecida e doente não muito longe de onde estavas. Quando deixaste Esperanza de lado, achei que fosse teu fim, mas foi quando abraçaste a outra mulher... foi que me dei conta que estavas morto...


Post-Scriptum: Prezado leitor, as próximas versões do náufrago, se e quando ocorrerem, serão dadas in natura, por essas e outras razões, se vossa senhoria não tiver estômago para as coisas da vida, for alérgico(a) ao baixo calão, ou avesso(a) a qualquer coisa que extrapole o universo de vosso umbigo ou a vastidão de vossa subjetividade, desaconselho fortemente a leitura dos trabalhos publicados sob o título Delírios de um Náufrago, mesmo porque os mesmos não são grande coisa, de modo que vossa senhoria não perde nada em não conhecê-los.